Pela Metade

O PEDRA DURA foi partido ao meio.

Não porque fosse demasiado grande, nem desnecessária a sua dimensão.

O PEDRA DURA foi partido ao meio porque não temos cuidado das nossas pedras com atenção. Ao longo dos anos, pedras como a nossa foram sendo criadas por todo o país. Servindo de degrau, de calço, de suporte, de alimento às suas comunidades e lugares.

Usadas como material de restauro ao pensamento fragmentado pelo vazio e pela inércia. 

Passamos por essas pedras, muitas vezes, sem perceber a sua utilidade. 

As pedras ocupam lugares que atravessamos, com ou sem objetivo, como se fosse lógico que elas ali estivessem. Fazemos o nosso julgamento, às vezes paramos, às vezes apreciamos e desfrutamos da pedra – sozinhos ou com outros – às vezes passamos só por ela porque o simples facto de ela existir é suficiente, é natural e por isso mesmo, garantido. 

Mas e quando a pedra desaparece? 

Quando a pedra desaparece falamos dela. Comparando o lugar, agora vazio, com o tempo em que era preenchido pela pedra, partilhamos memórias e saudamos a época em que ela ali esteve. 

O PEDRA DURA foi partido ao meio. 

Obrigam-nos, portanto, as circunstâncias atuais (em que, em conjunto, temos negligenciado as pedras) a fazer a coisa pela metade. 

Então assim faremos! Fazemos pela metade!

Fazemos pela metade da pedra que nos resta. Fazemos pela metade que quer continuar a preencher lugares, a perturbar charcos, a fazer sopa. Pela metade que não se resigna a que as coisas fiquem pela metade.

Juntamos todos os pedaços e pós que se desfizeram e fazemos da metade um todo.

A pedra pela metade, mas nunca desfeita. 

E mesmo que se desfaça, mesmo que se transforme em milhões de grãos de areia, que seja um saco pesado, que caia sobre a cabeça de um senhor que odeia pedras, que lhe abane o cérebro dentro do crânio e que o ilumine. Que lhe ensine o caminho das pedras. 

Ainda que o saco rebente – sacrificado pela obra de iluminar o senhor – que a areia se espalhe e se junte numa praia gigante, onde as pessoas se deitam e admiram as pedras gigantes ao longe na paisagem, na expectativa de que um dia possam também ver beleza nas pequenas pedras que lhes aparecem nos caminhos para casa.

Joana Flor Duarte
Co-direção artística

Pedra Dura
Festival de Dança do Algarve
4 a 9 de Novembro 2025