Uma dança brilhantemente escondida na matéria

O corpo extingue-se na velocidade da paisagem.

Estaremos reféns de um presente acelerado? De toques e encontros digitais? Ou há ainda espaço para colocar o corpo na paisagem? De 9 a 18 de novembro, o PEDRA DURA – Festival de Dança do Algarve traz a Lagos a oportunidade de nos encontrarmos frente a frente, corpo a corpo.

Duas semanas em que abrimos as portas e insistimos numa dança atenta, uma dança esventrada, brilhantemente escondida na matéria. Para isso, a cidade vai encher-se de espetáculos, noites com DJ´s, concertos, filmes, masterclasses e conversas.

Por estes dias, será ainda inaugurado o CenDDA – Centro de Documentação de Dança do Algarve, um novo espaço cultural para a partilha de recursos relacionados com o universo da dança, facilitando a pesquisa e a inovação artística na região. Esta 2.ª edição do PEDRA DURA será um momento de escapismo do interior individual para um espaço exterior partilhado, que nos permitirá olhar as paisagens que carregamos connosco diariamente. O convite é para nos perdermos e nos deixarmos ir.

Daniel Matos
Codireção artística e curadoria
O corpo extingue-se na velocidade da paisagem.

Somos reféns da elasticidade acelerada que é o presente, cada vez mais capturados por dispositivos e mecanismos que parecem procurar encontros e toques em distâncias que se criam dentro de proximidades abismais. Os corpos que passam e se cruzam entre si dão lugar a uma fragmentação em pedaços, onde novos corpos surgem como construção repensada, com urgência em redesenhar identidades que já não pertencem a um tempo enganadamente fixo.
A fluidez é esguia e assume um posicionamento chave na tomada de decisão para encontrar caminhos continuamente livres e amplos para que linguagens, ideias e imagens colidam em escritas coreográficas onde a contemplação ocupa espaço ativo de prazer sensorial.

A 2ª edição do PEDRA DURA – Festival de Dança do Algarve procura estabelecer um momento de escapismo do interior individual para um espaço exterior partilhado, onde nos possamos encontrar frente a frente e permitir-nos a olhar as paisagens que carregamos connosco diariamente. Abrimos as portas e insistimos em ouvir com o corpo todo uma dança atenta, uma dança esventrada, brilhantemente escondida na matéria. A paisagem corpo e a paisagem espaço formam um limbo recetor onde nos é feito o convite a nos perdermos e deixar-nos ir, onde o corpo e as arribas se permitem a ser escavadas de dentro para fora.

Cláudia Varejão e Joana Castro trazem-nos a sua Ø ILHA como território de pluralidade paisagística não privatizado. Em colaboração com a CAMADA – Centro Coreográfico, Daniel Matos desenha uma partitura coreográfica para 11 anjos que reivindicam o poder de decisão num silêncio aberto e iluminado, como que um qualquer céu na terra em 11 Angels Saying No.

Em Tutuguri, Flora Detráz manipula o som e o espaço meticulosamente com uma voz abertamente escondida, apresentando-nos o poder da subtileza numa versão site-specific.

Com uma programação diversificada e sempre em atualização, o Pedra Dura vai lançar um foco sobre o trabalho de Luara Raio, bailarine e coreógrafe brasileire, que nos chega em dose dupla com Flecha, onde apresenta uma dança Ebó de contra-ataque entre a degeneração e regeneração do corpo-dor, e Pedra Lançada, uma palestra-performance de ativação de tarot, aberta à participação do público.

O sagrado, o profano e o corpo como passagem e transmutação são temáticas presentes nas obras Haze Gaze de Silvana Ivaldi e Coreografia para Uma Santificação de Mélanie Ferreira, onde o discurso da pele inunda um ambiente de intimidade e aproximação ao espírito da carne. Abre-se ainda espaço à conversa em A dança como possibilidade de redenção, contando com a presença de José Bragança de Miranda.

Ginevra Panzetti e Enrico Ticconi apresentam-se pela primeira vez no Algarve com a estreia nacional de AeReA, onde bandeiras são extensões do próprio corpo através de movimentos hipnotizantes e precisos. Os materiais proliferam a comunicação e chegam a gerações mais novas em formato de arena com Movediço #3, de Marta Cerqueira e Simão Costa.

Entre fendas, escarpas e trilhos a violoncelista e cantora Joana Guerra apresenta-nos o seu ultimo álbum Chão Vermelho, num concerto a solo. Aumentamos a velocidade e galopamos com Coin Operated de Jonas & Lander, onde o público é motor de arranque na ação através da inserção de moedas em cavalos de jogo.

Em parceria com o Festival Dance On Screen Graz (Áustria), dirigido por Valentina Moar, abrimos espaço para a  relação da dança com o ecrã através de uma seleção de video-dança internacional no programa Osso-Locomotiva. Em paralelo, o PEDRA DURA desenhou o ciclo O Invisível Indizível na mostra de cinco sessões de filmes para a infância dedicadas ás escolas primárias do concelho de Lagos.

Voltamos a cruzar o corpo Dança com o corpo Ciência num programa que procura comunicar com o eixo curatorial do festival, em colaboração com o Centro Ciência Viva de Lagos, propondo conversas em torno do Som e da Semiótica, passeios geológicos pelas arribas da Ponta da Piedade e uma observação noturna do céu, na contínua contemplação de paisagens estelares.

Entre a delicadeza e o ataque do detalhe do corpo e da palavra, Sofia Dias & Vítor Roriz ocupam o palco do Centro Cultural de Lagos com a emblemática peça “Um gesto que não passa de uma ameaça”.

Das paisagens dançadas às paisagens imaginadas e desenhadas, Luís Guerra encontra-se com o curso de Artes Visuais de duas Escolas Secundárias do concelho numa masterclass onde a chave é Desenhar com o Corpo Inteiro. E porque um corpo total é sinónimo de reconstrução e processo, o PEDRA DURA mantém a oferta de práticas gratuitas através de masterclasses para estudantes e profissionais de dança, contando com a presença de Elizabete Francisca, Natacha Campos e Om Soraia.

O clubbing reúne-nos para a purga contínua e para uma dissolução absoluta, permitindo que os corpos voláteis incorporem uma velocidade que os abrace na poesia de Trypas Corassão de Tita Maravilha e Agatha Cigarra com Big John, esta última que nos presenteia ainda com um live set, e que se estendam para os djsets de Calipos e Fvbricia.

No sentido de estreitar relações com o público, o festival conta ainda com o projeto Podemos tratar-nos por tu?, coordenado por Tiago Mansilha, que consistirá num ciclo de conversas entre o público e os artistas e no lançamento do Podcast Pedra Dura.

Estas são as propostas de uma programação que terá como epicentro o Centro Cultural de Lagos, mas que se espalhará por diversos espaços da cidade. Para ficar a conhecer todos os detalhes e novidades, e para que dance de dia e de noite, consulte o site do Pedra Dura (www.festivalpedradura.com), onde toda a informação será permanentemente atualizada.

Daniel Matos
Codireção Artística
Pedra Dura
Festival de Dança do Algarve
9 a 18 de Novembro 2023